quinta-feira, 28 de junho de 2012

Saia na rua e olhe em volta: cadê as pessoas?


A Natália Garcia, criadora do blog Cidade para Pessoas, escreveu um artigo muito legal com o intuito de refletirmos sobre as modificações sofridas pelas cidades no decorrer dos anos. Fica a pergunta: que cidade estamos construindo?
Quando criei o Cidades para Pessoas eu dei uma série de entrevistas sobre o projeto. Uma pergunta inevitável era: o que é, afinal, uma cidade para as pessoas? Apesar de sermos, eu e você, pessoas, essa não é exatamente uma questão fácil de responder.
Todas as vezes que faço palestras e abro essa pergunta para a plateia as respostas são sempre no sentido de uma cidade “menos ruim” do que a nossa. “Uma cidade para pessoas tem menos trânsito” ou “menos poluição” costuma-se dizer.
Em outras palavras, estão afirmando que uma cidade melhor para as pessoas é uma cidade que as prejudique menos. Mas, convenhamos, isso não dá conta da complexidade do conceito.
Gosto muito de uma frase do planejador urbano dinamarquês Jan Gehl: “sabemos tudo sobre o habitat ideal de todas as espécies de mamíferos do mundo, menos do homo sapiens”. Definitivamente, não é pensar em lugares ideias para se viver que norteia o planejamento e o crescimento das cidades.
Mas se não são as pessoas, o que está no norte da administração das cidades?
Muitos teóricos tentarem responder essa pergunta. Um deles é o sociólogo francês Henri Lefebvre, autor de A Revolução Urbana onde se lê: nas cidades, a função determina a forma que, por sua vez, determina a estrutura.
Para provar essa tese, Lefebvre faz um recorte histórico das funções das cidades desde a antiguidade até hoje. Nas cidades da Grécia antiga, a função primordial era dedicar-se às artes e à filosofia. Não à toa, as cidades se organizavam em torno da Ágora, dos teatros, bibliotecas e museus.

Já na idade média, a produção artesanal de produtos e alimentos fez a Ágora perder lugar para os mercados locais.

Com a revolução industrial, as cidades passaram a se organizar em volta das indústrias (ou as indústrias determinavam a criação de novas cidades).

A produção em larga escala criou a demanda de uma exploração voraz dos recursos naturais e trabalhar nas indústrias torna-se o centro da vida nas cidades (na Inglaterra do século XIX as pessoas que não quisessem trabalhar eram queimadas a ferro e fogo).
Essa linha evolutiva nos trouxe às cidades atuais, em que a função central é trabalhar para consumir. Tanto o trabalho quanto o consumo se dão em áreas privadas (em geral distantes umas das outras), então se locomover é uma sub-função dessas principais. E como a malha de transportes nas cidades brasileiras é destinada principalmente aos carros, o que acaba acontecendo é que pessoas se locomovem entre lugares familiares (casa, trabalho, shopping) protegidas do encontro com gente diferente delas. As cidades se tornam enormes superfícies de passagem. Hoje nossas cidades têm essa cara:

Qual a grande diferença entre essa e as fotos anteriores?
Repare: não há pessoas nas ruas. Para existirem, para cumprirem a função de trabalhar para consumir, as cidades atuais não precisam de gente circulando nas ruas. Só que, quanto menos gente nos espaços públicos, pior eles ficam (e menor a demanda para melhorá-los).
E aí, chegamos ao paradigma digno de propaganda de bolacha: os espaços públicos pioram porque não há pessoas e não há pessoas porque os espaços públicos são ruins.
A única forma de começar a inverter esse jogo é – adivinhe – atravessar a grade e voltar à rua. É mais fácil, divertido e seguro do que possa parecer.



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